Brasil joga no lixo toneladas de melão só por causa da aparência
Técnica desenvolvida pela Embrapa tem potencial para aproveitar na indústria de bebidas
O Brasil produz 521,6 mil toneladas de melão por ano, segundo o IBGE. Do total, 224 mil toneladas são exportadas e 103 mil consumidas por aqui. Já deu pra notar que a conta não fecha, né? Na verdade, ela fecha sim (e de um jeito nada bom). Todo o resto da produção - quase 195 mil toneladas, o equivalente a 37% das frutas - vai parar no lixo, e não é por falta de qualidade ou pragas que atingiram as lavouras. O desperdício acontece simplesmente porque esses melões não passaram no "teste de beleza".
São manchas na casca, tamanho menor que o habitual ou formato irregular que acabam definindo o destino inglório das frutas. Apesar de rejeitados pelos consumidores, elas mantêm intactas as propriedades nutricionais.
"Nós estamos usando (o termo) 'perdido' no sentido literal da palavra. Não sabemos onde estão. Não existem dados oficiais que nos permitam saber o que foi feito", diz o pesquisador na área de tecnologia pós-colheita Ebenezer de Oliveira Silva, da Embrapa Agroindústria Tropical. No caso do melão, porém, é possível afirmar que a perda ocorre em grande parte na comercialização, a chamada perda cosmética. "Frutos com pequenas deformações e que são jogados fora porque o consumidor não vai comprar aquilo", explica o cientista.
E é da Embrapa que veio uma tecnologia que pode salvar as frutas esquecidas nas gôndolas ou que sequer chegam a elas. A ideia é um suco-base de melão, para uso na indústria de bebidas. O produto concentrado não tem gosto nem aroma de melão, podendo ser usado na produção de sucos mistos, néctares e outras bebidas. Hoje, esse papel é essencialmente da maçã, cuja produção é muito mais restrita por se tratar de uma fruta de clima temperado, diferentemente do melão, que é tipicamente tropical.
A tecnologia - que foi elaborada em parceria com a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e o Centro de Cooperação Internacional em Pesquisa Agronômica para o Desenvolvimento (Cirad), da França - já está pronta, falta agora encontrar parceiros dispostos a empregá-la em escala industrial.
Alguns países na Comunidade Europeia concedem incentivos fiscais para produtos sem adição de sacarose. Dependendo do processamento, o suco-base de melão mantém nutrientes como vitaminas e açúcares (glicose, frutose e alguma sacarose) e ácidos naturais presentes na fruta.
O suco concentrado é denso e tem cor de caramelo, e tem que ser diluído na indústria. "Como é concentrado, não haverá o transporte de água, o que reduz custos de logística. Isso favorece também a conservação, porque é possível manter em temperatura ambiente ou no máximo em refrigeração", afirma o engenheiro de alimentos Raimundo Marcelino da Silva Neto, da Embrapa Agroindústria Tropical (CE).
Sete mil hectares para o lixo - As 195 mil toneladas de melão que são perdidas todos os anos correspondem a uma área de 7 mil hectares. Países em desenvolvimento, como o Brasil e o México, apresentam tanto perdas por falta de infraestrutura, quanto as consideradas perdas cosméticas. "Nossa estrutura de pós-colheita não é suficiente o bastante para suportar as grandes produções de frutas que temos. Associado a isso, há uma classe média desenvolvida muito grande, o que repercute em um alto índice de perda cosmética", esclarece Ebenezer Silva.
Uma das estratégias da Organização das Nações Unidas para a Agricultura e Alimentação (FAO) para redução da fome e garantia da sustentabilidade é minimizar as perdas pós-colheita de frutas e hortaliças. A outra é aproveitar o que seria perdido na indústria, o que vai ao encontro da proposta do suco-base desenvolvido pela Embrapa. "A indústria do melão no Brasil é muito pequena, por isso acreditamos que essa tecnologia poderia dar um ganho tanto para a indústria quanto para os produtores", diz o pesquisador da Embrapa.
De acordo com ele, é necessário observar também outras possibilidades de industrialização. Já existe em alguns países o aproveitamento do melão para a produção de cremes hidratantes e protetores solares. "Uma alternativa seria descobrir quais são as substâncias ativas no melão e desenvolver insumos para a indústria brasileira de cosméticos", propõe. *Gazeta do Povo