Nova variedade de uva desenvolvida no país pela Embrapa encanta produtores rurais
Produto deve alavancar potencial de crescimento do mercado interno e também das exportações
O ano de 2016 promete ser um divisor de águas para a produção de uvas sem sementes no Brasil. A fruta, que já caiu no gosto do consumidor e conta com mercado crescente apesar da crise, está prestes a entrar em uma nova fase. A cultivar BRS vitória, desenvolvida pela Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) e lançada em 2014, despertou o interesse de produtores rurais, e deve se tornar um marco na produção. Mais resistente e com sabor destacado, confirmou se adaptar bem às regiões tropicais onde foi testada. A colheita da uva de cor preta em escala comercial deve começar no segundo semestre, em Petrolina (PE). Mas já há fruticultores também garantindo bons resultados com a variedade em Pirapora, no Norte de Minas.
Roberto Cazuhiro Kyryu está à frente da fazenda que leva seu sobrenome no projeto de irrigação de Pirapora. Ele plantou meio hectare com a vitória e pretende colher cerca de 10 toneladas entre junho e julho. "Está em fase de teste, mas tem bom potencial. É uma questão de tempo para pegar no mercado", afirma o produtor rural, que deve direcionar as frutas da primeira colheita para sacolões de Belo Horizonte. Ele reforça que a uva é praticamente livre de defensivos. "É muito resistente a doenças. A Embrapa acertou."
Na Comercial Irmãos Pereira, que fica no entreposto de Contagem da Centrais de Abastecimento de Minas Gerais (Ceasa/MG), as uvas sem sementes já são vedetes mesmo sem a presença da vitória no seu farto portfólio de variedades à venda. Segundo o gerente, Reginaldo Ribeiro, o comércio desse tipo de uva, "de consumo mais fácil e prático", já representa 70% do total, contra 30% das opções com sementes. E, apenas no último ano, os negócios com elas apresentaram expansão de 30%. Por mês, ele comercializa cerca de 160 toneladas das mais de 10 opções que tem para oferecer, com destaque para a thompson e para a crimson, mais antigas no mercado. Em dezembro, a procura dobra. "Neste ano, mesmo com a economia ruim, as vendas devem crescer uns 15%", afirma.
O preço do quilo da uva sem sementes vendida por Reginaldo Ribeiro no atacado está na faixa dos R$ 10 e seus principais clientes são sacolões e grandes redes de supermercados da região metropolitana da capital. O analista de Agronegócios da Federação da Agricultura e Pecuária do Estado de Minas Gerais (Faemg), Caio Coimbra, afirma que a boa oferta dos últimos anos tornou o preço da uva sem sementes mais acessível. "Ainda assim é um produto que tem um bom valor agregado para quem aposta nele", observa. Por esse motivo, ele acredita que o potencial da fruta é imenso. "Já estão tomando conta do mercado. Atendem às demandas das pessoas que querem produtos saudáveis e de consumo fácil", diz. Ele acredita que, com as novas tecnologias e variedades, o cultivo, ainda incipiente em Minas, também tende a crescer nos próximos anos.
PARA GRINGOS - Antes mesmo de conquistar o mercado interno, a uva sem sementes produzida no Brasil encantou os estrangeiros. A Cooperativa Agrícola Nova Aliança (Coana), de Petrolina, começou seus trabalhos com foco no exterior em 2005. Hoje, os 20 cooperados - todos de apenas cinco famílias - continuam com as exportações, mas das 5,5 mil toneladas cultivadas em 280 hectares, 40% já ficam no mercado interno. Em 2008, 95% eram vendidos para outros países.
Segundo o presidente da Coana, Edis Ken Matsumoto, em 2015, os negócios com as uvas sem sementes cresceram cerca de 12%. Para este ano, a expectativa é de alta de 15%: "O câmbio ajuda e existe uma certa falta da uva nesta janela mundial principalmente voltada para a Europa". Ele se refere ao período da colheita no Brasil, que fica mais forte em setembro e outubro, época de entressafra em outras regiões produtoras.
Em 2008, a crise mundial reduziu o apetite do mercado internacional pelas uvas sem sementes brasileiras. Foi quando o excedente começou a ser direcionado para o comércio nacional. Com o aquecimento do poder de consumo da população, as variedades se popularizaram. Por isso, hoje, a fatia destinada ao consumidor nacional é bem maior do que anteriormente. Matsumoto conta que os custos também subiram no rastro da mudança do perfil de negócio das empresas. Isso, principalmente por causa dos salários: "A produção e a colheita são manuais". Em contrapartida, o melhoramento genético refletiu em ganhos de produtividade.
Em termos de preços, as sem sementes também são mais valorizadas. A caixa de oito quilos é vendida por cerca de R$ 60 ou 50% acima do preço da tradicional, que custa R$ 40. Para exportar, a caixa de nove quilos, preferida pelos europeus, por exemplo, custa cerca de 16 euros, ou cerca de R$ 73. "É melhor exportar", diz Matsumoto. Segundo ele, os principais países compradores são Inglaterra, Holanda, Bélgica e Alemanha.
Matsumoto acredita que, hoje, o país já é praticamente autossuficiente em uvas sem sementes. Mas ainda há um pouco de produtos importados, principalmente do Chile e da Argentina. O Peru surge como uma ameaça no comércio internacional, pois os fruticultores de lá conseguem colher na mesma época dos brasileiros.
Uvas finas de mesa ganharam força no Brasil entre 1960 e 1970
As uvas finas de mesa começaram a ganhar impulso no Brasil entre as décadas de 1960 e 1970. Segundo o pesquisador da Embrapa Uva e Vinho José Fernando da Silva Protas, os primeiros trabalhos foram voltados para adaptação nas condições de manejo do país. A niágara, mais rústica, foi pioneira. Na sequência vieram a rubi, a benitaka e a brasil, assim como a itália e suas variações. Entre as sem sementes, a thompson e a crimso, foram das primeiras a chegar. Mas diante do maior interesse dos produtores rurais por esse tipo de uva, a Embrapa começou a desenvolver as cultivares nacionais, na década de 1990. Em 2004, foram lançadas as primeiras sem sementes totalmente nacionais: BRS morena, BRS clara e BRS linda. Mas até hoje ainda enfrentam um lento processo de inserção no campo. "O manejo delas exige aprendizado e adaptação", observa o pesquisador.
Foi só em 2014, quando foi lançada a vitória, que houve um encantamento por parte de alguns produtores rurais. E, por isso, para Protas, é ela que vai deslanchar tanto no cenário nacional quanto no internacional. A Fazenda Labrunier, do Grupo JD, que é a maior produtora de uvas de mesa do país, é um exemplo do encantamento proporcionado pela vitória. "Eles plantaram 32 hectares com a vitória no Vale do São Francisco e fizeram pesquisa com estrangeiros, que também a aprovaram", conta o pesquisador. "Ela é labrusca, tem o tradicional sabor da uva e todas as características que o mercado internacional quer", reforça.
Edis Ken Matsumoto, da Coana, lembra que começou a produzir as uvas sem sementes no início de 2000. "Mas não fomos os pioneiros", observa. Ele conta que os testes com materiais importados começaram em meados da década de 1990, de uma forma muito experimental. "Só depois de 2000, que virou comercial", afirma. Para Protas, as cultivares lançadas só têm "final feliz" quando encantam o produtor, que é o responsável por validá-la. Além da vitória, ele ainda aposta no potencial da BRS isis e das três primeiras lançadas anteriormente.
CLIMA BOM - Com a fruticultura irrigada, Petrolina se destacou pelo fato de conseguir produzir a uva o ano todo, com a possibilidade de concentrar a colheita na época da entressafra do hemisfério norte. "Tínhamos as sem sementes em uma temporada que ninguém do mundo tinha, que era de setembro a outubro", recorda Matsumoto. Por causa da baixa oferta, conseguiam valores excelentes para a exportação. No início eram apenas três variedades sem sementes: suggar one, crimson e thompson.
Atualmente, cinco grandes empresas multinacionais trabalham com o desenvolvimento genético das uvas, além da Embrapa. O resultado é visto em um portfólio com cerca de 70 cultivares (entre testes e as que já estão em campo). "Algumas têm diferenciais vantajosos, como a candy cotton, que tem sabor de algodão-doce, outras que puxam para morango ou abacaxi, ou a witch thinger, que é compridinha como dedos de bruxas", diz Matsumoto. Ele garante que essas exóticas têm "conquistado o mundo". Em sua opinião, a tendência é a substituição das com sementes pelas sem. Mesmo porque, as plantas são multiplicadas por ramos (estacas) e não há a necessidade das sementes para o cultivo. Até então, as variedades plantadas no país também foram desenvolvidas ou melhoradas por cruzamentos. "Não são transgênicas", afirma o fruticultor. Mas para Protas, ainda haverá mercado para as com sementes: "Para públicos e consumos diferentes".