O que a detecção de Frankliniella australis em pomar de mamão no ES tem a ver com a importação de abacates do Chile?
Qualquer que seja a explicação, o fato é que importadores brasileiros e exportadores chilenos estão sendo onerados pela exigência de certificação fito
Todos os países signatários da Convenção Internacional de Proteção Vegetal (CIPV) - e o Brasil é um deles - são obrigados a notificar a comunidade internacional sobre situações de mudanças em status fitossanitário. Por exemplo, a descoberta de uma nova praga, a comprovação científica de nova associação com planta hospedeira ou a descrição de um novo biotipo podem ter implicações nas medidas de proteção adotadas. Essas implicações podem ser para um maior rigor nos requisitos fitossanitários ou o contrário, para um relaxamento das medidas.
Vamos por partes. Em 2002, a pesquisadora Renata Monteiro publicou um minucioso artigo de revisão [1] que traz a relação das espécies de Thysanoptera com ocorrência no Brasil, com cerca de 520 espécies, entre elas Frankliniella australis. Ainda que, na época, havia poucos relatos e poucos exemplares disponíveis para análise, a pesquisadora incluiu a espécie na listagem de trips do Brasil.
Em 2013, a Secretaria de Defesa Agropecuária estabeleceu a obrigatoriedade de apresentação de uma declaração adicional para importação de frutos in natura de abacate do Chile, segundo a qual os frutos haviam sido inspecionados e estavam livres de Frankliniella australis e de outras três pragas [2]. Na verdade, essa publicação altera outra Instrução Normativa, publicada em 2012 [3] e na qual não estavam previstos requisitos fitossanitários para evitar a entrada desse trips.
E então, em junho de 2016, um grupo de pesquisadores brasileiros envolvendo o Instituto Capixaba de Pesquisa, a Universidade Federal do Rio Grande do Sul e a Universidade de Viçosa publicaram um artigo na revista Florida Entomologist [4] na qual relatam a ocorrência de Frankliniella australis como a terceira espécie de trips mais frequente em pomares de mamão no norte do Espírito Santo.
Pode ser que a espécie tenha sido introduzida no Brasil após 2013 (quando a SDA atualizou os requisitos fitossanitários e afirmou que ela não ocorria no país) e rápida e silenciosamente se multiplicou a ponto de ser a terceira espécie mais frequente em pomares de mamão em 2016. Ou ainda, que as bases cientificas, que são os fundamentos para a tomada de decisões regulatórias nessa área, não tenham sido consideradas de maneira exaustiva neste caso. Alternativamente, pode ser que a pesquisa publicada em 2002 estivesse correta (ou seja, o trips já estava no Brasil) e a regulamentação de requisitos em 2013 tenha sido equivocada, fato que apenas denota que o processo regulatório de definição de requisitos baseados em análise de risco é dinâmico e deve ser constantemente revisitado.
Qualquer que seja a explicação, o fato é que importadores brasileiros e exportadores chilenos estão sendo onerados pela exigência de certificação fitossanitária para uma praga que já ocorre no Brasil.
Com a detecção da espécie, esse requisito perde a razão de ser.
Produtores e autoridades devem estar atentos, em tempos em que a realidade muda de maneira tão rápida! Por isso, a vigilância sobre ocorrência de pragas não pode nem deve ser um tema exclusivamente de governo. É um conceito transversal para a constante observação de agricultores, técnicos, pesquisadores e autoridades visando o fair trade internacional.
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